Fumar shisha ou cachimbo de água não faz mal à saúde?
A popularidade da shisha tem vindo a crescer nos países ocidentais, principalmente entre os jovens. No entanto, há várias questões que se levantam sobre este tipo de tabaco: será que fumar cachimbos de água é inócuo?
Um cachimbo de água no centro da mesa, um grupo de amigos a conviver e a fumar, passando o bocal de uns para os outros num bar com estilo oriental. Fumar shisha é uma prática centenária, com origem no Médio Oriente, mas tem vindo a tornar-se popular nos países do Ocidente.
Entre os jovens, o consumo de shisha é uma preocupação para as autoridades de saúde. Dados do Estudo sobre o Consumo de Álcool, Tabaco, Droga e outros Comportamentos Aditivos e Dependências 2019, publicado pelo SICAD, mostram que 15% dos jovens já tinha experimentado shisha em algum momento da vida, 10,5% tinham fumado este tipo de tabaco nos últimos 12 meses e 3,7% nos últimos 30 dias. O consumo diário – que corresponde a 20 ou mais ocasiões nos últimos 30 dias – ronda 1%.
Mas será que fumar shisha não faz mal à saúde, ao contrário do tabaco tradicional? Confirma-se que a água existente nos cachimbos filtra as toxinas? E é ou não verdade que este tipo de tabaco não tem nicotina?
Fuma shisha faz menos mal do que fumar tabaco tradicional?
Existe a crença que fumar shisha não faz mal à saúde, mas essa alegação é falsa. É também mentira que a shisha tenha menos quantidade de nicotina do que os cigarros ou outros derivados do tabaco.
Sofia Ravara, pneumologista e coordenadora da Comissão de Trabalho de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, explica ao Viral que a “mistura de tabaco” colocada nos cachimbos de água contém “níveis de nicotina muito elevados”, o que faz com que os utilizadores possam desenvolver “adição ou dependência”, persistir no uso diário e, inclusive, começar a fumar outras formas de tabaco.
Quando questionado sobre os efeitos de fumar shisha, o médico pneumologista José Pedro Boléo-Tomé é categórico a responder que “não é muito diferente de fumar um cigarro”.
À semelhança do tabaco tradicional, também a shisha contém um conjunto de toxinas comprovadamente prejudiciais à saúde humana, tais como alcatrão e metais pesados.
Outra falsidade associada ao consumo de shisha é o papel da água como “filtro” de toxinas: O pneumologista reconhece que “existe a ideia de que o recipiente de água [que integra os cachimbos] serve para filtrar as toxinas, mas isso não é verdade”. Pelo contrário, prossegue, “a quantidade de tóxicos que chega ao bocal é altíssima”.
Uma revisão publicada em 2019 reúne o conhecimento científico, à data, sobre o impacto do consumo de shisha no sistema respiratório e na saúde em geral.
Os investigadores referem que o consumo de shisha contém vários elementos iguais aos presentes no cigarro, nomeadamente “grandes quantidades de nicotina, alcatrão, monóxido de carbono, compostos heterocíclicos, compostos carboxílicos e vários compostos inorgânicos, como metais pesados”.
Referem ainda que, apesar das crenças sobre o consumo de shisha, o uso regular deste tipo de tabaco é “associado ao aumento do risco de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), assim como cancro do pulmão e tumores da cabeça e pescoço”.
Os mesmos riscos para a saúde são referidos pelo Centro norte-americano de Controlo e Prevenção de Doença (CDC, na sigla inglesa) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É ainda referido implicações na fertilidade, no refluxo gástrico e na saúde mental dos indivíduos.
No mesmo sentido, os dois pneumologistas contactados pelo Viral enumeraram uma série de problemas de saúde associados ao consumo regular de shisha: cancro do pulmão, da boca, do estômago e do esófago, diminuição da função pulmonar e doenças cardiovasculares.
Há ainda evidências de que o consumo deste tipo de tabaco interfere com o desenvolvimento fetal, estando associado a nascimentos de bebés com menor peso.
Segundo a Associação Americana para o Pulmão, existem “pelo menos 82 químicos tóxicos e carcinogénicos” no fumo da shisha.
A mesma organização sublinha que “a combustão do carvão usada para aquecer a shisha pode constituir riscos adicionais para a saúde”, nomeadamente devido à libertação de “monóxido de carbono, metais e outros químicos”
José Pedro Boléo-Tomé e Sofia Ravara também referem que a combustão do carvão “vai emitir quantidades enormes de monóxido de carbono”.
Este gás é inodoro e tem uma elevada toxicidade, podendo, inclusive, causar a morte por asfixia – como acontece em situações de incêndios ou em divisões aquecidas por braseiras sem uma ventilação apropriada.
O pneumologista remata que “a shisha tem todos os componentes que existem num cigarro, com algumas agravantes”.
Também o CDC alerta que “fumar shisha não é uma alternativa segura a fumar cigarros”, aconselhando as pessoas a “deixar de usar produtos de tabaco para reduzir riscos de saúde”.
Transmissão de infeções e outros riscos associados ao consumo de shisha
Quando se pensa em fumar um cigarro, imagina-se uma pessoa a fazê-lo durante alguns minutos. Quando se fala de fumar shisha, o cenário muda: pensa-se num consumo em contexto social – apesar de algumas pessoas consumirem de forma individual e regular –, podendo estender-se por várias horas.
A inalação durante um longo período poderá exponenciar os riscos associados, potenciando assim mais consequências para a saúde.
José Pedro Boléo-Tomé explica que “o facto de ser um consumo mais intenso, mas diário, não torna [a shisha] melhor”, podendo os efeitos serem “tão maus ou até piores”.
As circunstâncias de consumo em grupo também acarretam riscos para a saúde. “Sendo um dispositivo partilhado, o cachimbo de água pode funcionar como um meio de transmissão de infeções. Muitas vezes, o próprio bocal pode passar de boca em boca, o que é perfeito para transmissão de bactérias e vírus”, acrescenta o pneumologista.
Também Sofia Ravara destaca que o cachimbo de água, por ser “um circuito montado pela própria pessoa”, pode acarretar uma série de variações prejudiciais à saúde.
“Podem adicionar bebidas alcoólicas na água, podem usar marijuana”, exemplifica a pneumologista, sublinhando que,“nos Estados Unidos, cerca de metade dos utilizadores de cachimbo de água usa marijuana em vez de tabaco”.
José Pedro Boléo-Tomé sublinha que “apesar da aparência exótica” dos cachimbos de água, estes são “altamente tóxicos e perigosos”.
“Há uma ideia de que é uma coisa recreativa, interessante, engraçada, social e sem grande risco para a saúde, mas isso não é verdade”, remata.
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